Sempre tive problemas sérios com jogos de estratégia. Por turnos ou em tempo real, esses games sempre representaram barreiras sérias e expunham minha falta de habilidade com sistemas complexos que envolviam gerenciamento de unidades, estudo do adversário, conhecimento do campo de batalha. Parecia muita coisa para minha pobre cabeça, querendo mais ação imediata e direta. Mas dois games que joguei nos últimos meses ajudaram a tirar esse obstáculo da minha vida.
O primeiro deles é Necronator: Dead Wrong, lançado em 30 de julho e produzido pela Modern Wolf. O game possui uma mistura única do estilo roguelike, administração de baralho e tower defense (ou tower attack, na verdade). A combinação pode parecer estranha, mas é simpática e exigente. Você deve conhecer o poder das cartas para prosseguir, além de ter um pouco de sorte nos combates.
O protagonista é um necromante que deseja dominar o mundo, e conta com o auxílio de um morcego rechonchudo que não cansa de distribuir conselhos. Com um punhado de cartas, alguns feitiços e melhorias para as tropas, é hora de encarar a primeira missão. Em uma arena, com uma ou duas rotas marcadas no mapa, o jogador parte para combater as tropas adversárias.
O sistema não é complexo: as tropas surgem de um local específico no mapa e um tipo de carta precisa ser usado para invocá-las. Usar cartas gasta mana, que está concentrado em uma barra que enche de acordo com suas vitórias. Então, o jogador não precisa se preocupar em ficar totalmente sem armas para o combate, embora o game faça a exigência óbvia que os jogadores entendam a importância e a raridade das cartas, além do melhor momento para usá-las.
Há algo em Necronator que agrada alguém que não tem o perfil estratégico, como Eu: o seu exército é anônimo. Digo, eles não têm identidade ou aparência fácil de identificar. Eles são apenas uma horda sinistra invocada pelo necromante (você). É claro que isso pode diminuir um tanto seu envolvimento com o game, mas retira aquela responsabilidade louca de evitar mortes a qualquer custo, como games táticos, a exemplo do famoso XCOM. É claro que sei que são categorias diferentes de jogos, mas é uma barreira a menos para me tornar mais ansioso com os resultados.
Ademais, Necronator felizmente não esconde a que veio. Para um completo (ex-) perdedor em jogos estratégicos, mesmo os mais simples, entender de cara a maioria dos desafios é tão importante quanto ter experiência neles. Por isso, não é difícil recomendar o game para iniciantes medrosos como Eu, que se sentem intimidados ante mecânicas complexas, que interagem entre si, criando eventos quase impossíveis de prever — como a própria realidade que nos rodeia.
A velocidade do game é agradável e evita que ele se torne repetitivo. Alguns podem reclamar de mapas pequenos, com poucas rotas ou estratégias relativamente limitadas. Mas Necronator dosa essa aparente simplicidade com mecânicas para deixar o jogador sempre ocupado, com um leque de opções para amplificar e adaptar o poder das cartas, acrescentando diversidade ao game.
Assim como vários games com algum grau de profundidade, é interessante descobrir seu estilo de jogo. Se é do tipo mais ousado, que quer dilacerar as hordas inimigas em menos movimentos, descobrir as fraquezas delas e usar seus atributos mais poderosos para evitar uma batalha longa. Ou mais reservado, observador, que estuda ao máximo as capacidades do oponente antes de desferir ataques cirúrgicos e destrutivos. Existem também aprendizados importantes, como montar o deck, o que nem sempre significa ter um monte de cartas na mão, e sim as necessárias para um bom confronto.
Quando você terminar, provavelmente não estará pronto para liderar exércitos em uma Terceira Guerra Mundial, mas terá perdido o medo de lidar com mecânicas dentro de mecânicas, com a alta possibilidade de derrota, com a destruição de seus exércitos — felizmente você é um necromante e isso não deve ser um grande problema para você.
Já Kingdom Two Crowns não é o mais difícil dos jogos de estratégia, e por suas mecânicas de adventure 2D torna as coisas mais simples para um covarde como Eu, mas não demorou para se mostrar um desafio. Um desafio de persistência e administração de recursos em meio à adversidades. A diferença maior é que você não ataca, mas constrói seu reino enquanto o defende de hordas de criaturas que chegam assim que o sol baixa.
Two Crowns é um simplificação dos games como SimCity. Ele transforma o ato de construir cidades complexas uma tarefa mais simples e com um objetivo concreto: sobrevivência. Não há menus, não há grandes estratégias, não há gigantescos planos de longo prazo. Você não demora a entender os caminhos da evolução arquitetônica, bem como das fortificações da sua cidade.
O protagonista é um rei, que deve procurar tesouros, contratar sem-tetos locais, dar a eles profissões como agricultores, arqueiros e soldados. Um comerciante lhe dá pagamentos, arqueiros caçam animais nos arredores e coletam dinheiro com isso, mas soldados defendem o reino melhor. Não é preciso muito para entender as mecânicas defensivas de Two Crowns, mas é preciso paciência para dominá-las completamente.
Para seu reino se expandir corretamente, é necessário equilíbrio, ao invés de expansão desordenada. Não adianta ter montes de agricultores sem torres de arqueiros fortificadas e muros para proteger as plantações. Montes de soldados não darão financiamento para expandir seus vastos domínios da forma que um rei espera. Com não mais que duas horas de jogo sua cabeça funcionará exatamente como de um déspota imperial, com a grande diferença que seus adversários, ao menos, são seres místicos anônimos que surgem de portais sinistros, ao invés de soldados nativos de uma nação que não lhe ameaçou.
Se o seu reino for fraco o suficiente, ou você for um rei aventureiro, um desses invasores pode te atacar e roubar sua coroa — e aí é game over, e você assume a história do filho do rei, que tentará reconstruir a glória já decadente dos domínios de seu pai.
Mesmo o que menos gosto em Two Crowns — andar vastas porções do cenário das várias ilhas do jogo, às vezes sem um objetivo tão claro assim — possui uma qualidade mecânica: o jogo também parece um sutil ensinamento sobre solidão. Ser rei aqui é andar pra lá e pra cá, em busca de construir, melhorar, tornar tudo mais bonito. Mas a atividade é um tanto vazia e o game parece consciente disso. O rei decide tudo. No máximo, um coletor de impostos pode ser contratado, que recolherá dinheiro de agricultores e caçadores.
Até em seus menus o game é aparentemente simplório, aumentando o peso das responsabilidades do rei e os motivos das constantes andanças. Ainda assim, se permita experimentar essa aventura, mesmo que Two Crowns seja bastante desafiador. Não se engane, você entenderá o game facilmente, compreenderá os objetivos, mas dominar a arte de expandir um reino — e não expandir rápido demais — é para poucos imperadores visionários que entendem que a lentidão às vezes é necessária. Vez ou outra, você vai praguejar e odiar as horas de seres malditos que destroem coisas que você acabou de mandar construir.
A vida não é fácil nem para um imperialista.
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