Tal qual a vida de um mafioso, os games são feitos de ciclos. Inovações mecânicas e franquias competem entre si pela coroa, enquanto ideias antigas são abandonadas. Quando um jogo de 2002 retorna em uma Edição Definitiva, mais bonita e com ajustes em todos os cantos, percebemos exatamente como funciona essa evolução e como pode ser belo e gratificante visitar o passado. Mafia: Definitive Edition é um game que se enquadra nessa categoria e merece ser revisitado, até por quem não saboreou o original.
Essa edição definitiva parece deliciosamente antiquada. Uma relíquia de outros tempos. Hoje estamos acostumados com grandes escalas — mundos gigantescos, controles complexos, dezenas de horas de jogo, colecionismo infinito, troféus difíceis — e o game de gângsteres da 2K não se propõe a isso. O game é quase como um filme interativo, e impede o protagonista de sair da história.
Esqueça as microtransações, os montes de pontos de interesse no mapa, toneladas de objetivos secundários: aqui nós somos integralmente um mafioso em ascensão dentro de uma família de médio porte, ameaçada por vilões insaciáveis.
Assim como o mundo do crime, o jogo vai direto ao ponto — é possível até tirar as viagens de carro, embora Eu não recomende isso. Você é Tommy Angelo, um ex-motorista de táxi que entra para a família de Don Salieri, na década de 1930. Primeiro pequenos serviços, mas logo ele se torna parte da força da Família, salva seus integrantes, se envolve em tiroteios.
O game deixa claro algo em seu início: Tommy é mais importante que o jogador. Nosso raio de liberdade para nos expressar como jogadores é bem limitado. O game sutilmente decide quando podemos correr, em quem podemos atirar, onde interagir na cidade. Para uns pode ser frustrante, mas é um belo contraste com o pântano delirante de opções saturadas e inúteis de franquias como Assassin's Creed. Como consequência, todos os jogadores terão a mesma experiência enquanto exploram Mafia.
O jogo preenche muito bem essa experiência, e a torna melhor com o banho de loja da nova engine e os personagens realistas. A cidade de Lost Heaven (esqueça esse nome, e pense em Chicago) é preenchida com vida. Carros buzinam, pessoas reclamam, a polícia te persegue. Há um incentivo para evitar barbeiragens, com um sistema que limita a velocidade do seu carro.
São pequenas coisas criadas para integrar o jogador ainda mais ao mundo do game, para senti-lo, para saber que Tommy é uma pequena engrenagem de tudo que acontece ali, e não um astro megalomaníaco de reality show em um game de 100 horas.
Seus aliados mais próximos também parecem surpreendentemente reais. Paulie e Sam, companheiros de serviços, exalam personalidade. Don Salieri se equilibra entre a compaixão, estratégia e violência. Com o avanço técnico, Mafia finalmente consegue contar a história que desejava, recheando-a de detalhes em todas as cenas, no tom de voz de seus personagens, na destruição de partes do cenário.
Todos esses detalhes e esse ar antiquado que o game exala exigem algo a mais dos jogadores. Mafia: Definitive Edition não é um playground, mas um tipo de experiência um pouco mais sutil. Você ainda vai correr de inimigos, atirar bastante, lançar molotovs, mas esses não são os melhores momentos.
Não porque a ação seja ruim (dirigir é excelente, atirar é satisfatório, fugir de inimigos é chato), mas sim porque a violência está integrada ao contexto mafioso. E aqui entra parte do motivo de que a falta dos passeios de carro pode quebrar o game. Lembra daquele plano-sequência da entrada no restaurante em Os Bons Companheiros? Ou todo aquele papo aparentemente inútil de Os Sopranos? As viagens de carro aqui possuem uma função similar, guardadas as proporções: tornar os personagens realistas, e não apenas máquinas de atirar, recolher dinheiro e correr. Tommy precisa existir para você não apenas como um mafioso qualquer, ou muito da narrativa do game morre.
Jogar Mafia: Definitive Edition é lidar com essas aparentes contradições. A nova versão o tornou belo e visualmente impecável, mas manteve seus aspectos mecânicos originais. Há algumas coisas que são irritantes (fugir, detalhes dos combates corpo a corpo, inimigos que demoram a morrer), mas que não comprometem a integridade da experiência.
Para uns, não modernizá-lo inteiramente pode soar como um pecado mortal, mas existe uma beleza inescapável em adentrar essa experiência. É como entrar em um museu e se imaginar habitante de épocas que ficaram no passado. Ou folhear um álbum de família com fotos de infância. É uma mistura de nostalgia e reflexão, mas também um ato divertido por si só.
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